O tarifaço de Trump

Por Alberto Gallo
Especialista em Infraestrutura.
PPED UFRJ
O cenário global atual é marcado por uma guerra tarifária que sacode as bases do comércio internacional. Liderada pelas políticas protecionistas do governo Trump, a imposição de tarifas elevadas sobre produtos de diversos países – incluindo aliados históricos dos Estados Unidos – desencadeou uma onda de instabilidade nos mercados financeiros, aumento de preços e temores de uma recessão global.
Esse ambiente hostil à liberalização comercial rompe com décadas de relativa estabilidade nas regras do comércio internacional, reacendendo disputas e forçando nações a repensarem suas estratégias econômicas.
Para o Brasil, e em particular para o Rio de Janeiro, o momento é de desafio, mas também de oportunidade. A clássica máxima oriental de que “crise” combina perigo e oportunidade nunca foi tão pertinente. Cabe ao Estado do Rio, com sua infraestrutura e diversidade produtiva, transformar adversidades em trampolim para o desenvolvimento.
A guerra tarifária global tem raízes na decisão dos Estados Unidos de sobretaxar produtos como aço, alumínio, automóveis e bens tecnológicos, afetando cadeias produtivas em escala mundial.
Países retaliaram com medidas defensivas: redução de tarifas sobre insumos estratégicos, subsídios a setores exportadores, incentivo à indústria local e busca por novos mercados.
No Brasil, as tarifas americanas atingiram diretamente setores como siderurgia e automobilístico, levando o governo a aprovar legislações retaliatórias e a considerar recursos junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). Paralelamente, o país ampliou a proteção tarifária em setores sensíveis e lançou programas para modernizar o parque industrial, buscando mitigar os impactos e fortalecer a competitividade.
Esse rearranjo das cadeias globais de valor, embora disruptivo, abre janelas de oportunidade. Estudos apontam que, apesar das perdas nas exportações industriais brasileiras, setores como o agronegócio – especialmente soja e derivados – podem conquistar mercados em meio à disputa entre EUA e China.
Para o Rio de Janeiro, cuja economia é historicamente ancorada em petróleo, gás, siderurgia, construção naval e serviços, o cenário exige uma reflexão estratégica para minimizar perdas e capitalizar oportunidades.
Um dos principais impactos no Rio é a pressão sobre setores exportadores, como a siderurgia, que enfrenta barreiras tarifárias nos EUA, um de seus principais destinos. A redução das exportações pode comprometer empregos e receitas, especialmente em cidades como Volta Redonda, onde a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é um motor econômico.
Da mesma forma, o setor automotivo, com presença significativa no estado, sofre com a menor competitividade no mercado externo. Contudo, o Rio possui ativos que podem ser mobilizados para transformar esse cenário adverso em vantagem competitiva. Uma das oportunidades está na logística e infraestrutura portuária.
O Porto do Rio, junto com outros terminais fluminenses, pode se posicionar como ponto estratégico em rotas alternativas de comércio, aproveitando a necessidade global de centros de distribuição eficientes em um mundo com fluxos comerciais redirecionados.
Investimentos em modernização portuária e serviços logísticos, aliados a incentivos fiscais, podem atrair empresas interessadas em diversificar suas cadeias de suprimento. Além disso, o Rio pode se beneficiar de políticas nacionais de compensação, como subsídios ao transporte, que reduzam os custos logísticos e aumentem a competitividade dos produtos fluminenses.
Outra frente promissora é a valorização de produtos com maior valor agregado. O setor de petróleo e gás, pilar da economia fluminense, pode investir em derivados de maior complexidade, como petroquímicos, ou em soluções ambientais, como tecnologias de captura de carbono, que ganham relevância em um mundo preocupado com mudanças climáticas.
Da mesma forma, o pré beneficiamento de matérias-primas – seja na indústria do agro ou no processamento de minérios antes da exportação – pode reduzir a dependência de commodities brutas e aumentar a rentabilidade.
Setores emergentes, como biotecnologia e energias renováveis, também podem ser impulsionados por políticas de incentivo à inovação, posicionando o Rio como referência em nichos de alto valor.
A indústria 4.0 é outro vetor de transformação. Principalmente para a cidade do Rio e em outros centros com presença de universidades e centros tecnológicos. A automação, a internet das coisas e a inteligência artificial, com incentivo para desenvolvimento de serviços e da indústria que possam trazer independência tecnológica diante das pressões protecionistas. Programas de incentivo à pesquisa e desenvolvimento, articulados entre governo, universidades e iniciativa privada, são essenciais para que o Rio acompanhe a corrida tecnológica global.
A criação de hubs de inovação, como os já existentes na capital, pode atrair startups e empresas de tecnologia, diversificando a matriz econômica e gerando empregos qualificados.
Parcerias com entidades como a Firjan podem mobilizar o setor produtivo, enquanto acordos com universidades fluminenses, como UFRJ e UERJ, podem impulsionar a inovação. Além disso, o Rio deve buscar parcerias internacionais para acessar novos mercados, especialmente na Ásia e na África, onde a demanda por produtos brasileiros, como alimentos e energia, cultura, moda e gastronomia está em alta.
A guerra tarifária, embora desafiadora, não é o fim da linha para o Rio de Janeiro. Pelo contrário, ela pode ser o catalisador de uma transformação econômica. Com planejamento, inovação e uma visão estratégica, o estado tem condições de se reposicionar no cenário global, capturando ganhos em logística, indústria de alto valor e tecnologia.
A história mostra que crises, quando bem enfrentadas, geram saltos de desenvolvimento. Cabe ao Rio de Janeiro, com sua vocação para a liderança, transformar o perigo em oportunidade e construir um futuro mais próspero e competitivo.