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Lula lidera no atual cenário político brasileiro, segundo a nova pesquisa da Genial / Quest

Pesquisa Genial/Quest

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Por Paulo Baía

Sociólogo, cientista político, ensaísta e professor da UFRJ

Publicado em: 8 de outubro de 2025 às 13:14 

 

 

Pesquisa Genial/Quaest

 

A pesquisa Genial/Quaest de outubro de 2025 é mais do que uma fotografia estatística do país. É uma espécie de radiografia moral do Brasil. Cada dado, cada resposta, cada hesitação do entrevistado é uma pequena confissão de alma, uma gota no oceano coletivo de emoções e percepções que moldam a política nacional.

Há muito tempo as pesquisas eleitorais deixaram de ser apenas instrumentos de medição da opinião pública: tornaram-se espelhos de uma psicologia social fragmentada, cansada e ansiosa por sentido. Este levantamento revela, com precisão e melancolia, um país suspenso entre a esperança e o cansaço, entre a lembrança de um passado redentor e o medo de um futuro desgovernado.

 

Aprovação do governo Lula

A aprovação do governo Lula permanece sólida, orbitando acima dos 50%. Esse número, aparentemente frio, contém uma verdade mais profunda: o afeto ainda sustenta o presidente. O Brasil político pode mudar de humor, mas o Brasil social ainda reconhece em Lula a figura do pai simbólico, do líder que traduz em palavras simples as dores e os desejos de uma população esmagada pela desigualdade. A aprovação é mais emocional do que racional, mais identitária do que pragmática, mais ligada à sensação de pertencimento do que à avaliação econômica objetiva. Lula não é apenas o chefe do Executivo, é o intérprete de uma sensibilidade nacional.

A pesquisa mostra que essa aprovação é amplamente majoritária entre beneficiários do Bolsa Família, mulheres, negros, moradores do Nordeste, trabalhadores informais e eleitores de esquerda e centro-esquerda. No outro polo, a reprovação concentra-se entre homens brancos, classes médias urbanas do Sul e Sudeste, eleitores bolsonaristas e profissionais liberais.

Mas, entre esses extremos, surge uma camada decisiva: o eleitor cansado da guerra política, o que deseja paz, previsibilidade, estabilidade, mesmo sem entusiasmo. Esse é o novo campo de batalha eleitoral de 2026, o território psicológico do desencanto, onde vencerá quem souber transformar tédio em esperança.

O lulismo, nessa fase, não é mais apenas um movimento político, mas uma gramática afetiva. Ele expressa a necessidade de um Estado que proteja, de uma liderança que abrace, de um discurso que pacifique. O bolsonarismo, ao contrário, transformou-se num código de ressentimento, uma fé na destruição como forma de purificação.

A pesquisa revela um Brasil fadigado com o próprio barulho

A Quaest revela que essa retórica ainda ecoa, mas perde calor. A rejeição permanece alta, mas sem fúria. O ódio, que já foi o motor da extrema-direita, começa a se dissolver em desconfiança e apatia. A sociedade parece desejar menos confronto e mais normalidade. É como se o Brasil estivesse fatigado do próprio barulho.

Encontro Lula/Trump ganhou uma dimensão simbólica

Nesse contexto, o encontro entre Lula e Trump na ONU ganhou uma dimensão simbólica que transcende a diplomacia. Para muitos brasileiros, ver os dois líderes se abraçando foi como assistir à fusão de dois mundos opostos. A maioria dos entrevistados que tomou conhecimento do episódio afirmou que Lula “saiu mais forte” politicamente. Esse dado é de uma beleza sociológica particular: ele mostra que, mesmo os que não simpatizam com o governo, reconhecem a força simbólica do diálogo. Lula não ganha apenas na retórica, ganha no gesto. A capacidade de transformar antagonismo em cena de respeito é, para um país exausto de conflitos, uma forma de redenção coletiva.

Uma população resignada

A avaliação da economia revela um paradoxo que é, ao mesmo tempo, estatístico e espiritual. A maioria acredita que “a economia ficou do mesmo jeito”, o que indica uma espécie de acostumamento com a dificuldade. O pessimismo é contido, o otimismo é frágil, e entre ambos se estende um campo vasto de resignação. As pessoas dizem que “os alimentos subiram”, que “o poder de compra caiu”, que “o emprego não melhorou”, mas também afirmam que “o futuro será melhor”. É o paradoxo brasileiro: a fé resiste onde a razão já se entregou. A esperança, mesmo ferida, ainda é um hábito.

PEC da Blindagem, Anistia e PL da Dosimetria, mira o ambíguo nas ruas

A dimensão psicopolítica mais complexa da pesquisa está nas questões morais e institucionais. A PEC da Blindagem, a anistia a Bolsonaro e a PL da Dosimetria dividem o país entre justiça e esquecimento. A maioria rejeita a anistia, mas uma parcela crescente apoia “diminuir as penas”, o que mostra um desejo coletivo de virar a página, não por convicção jurídica, mas por exaustão emocional.

É o cansaço travestido de perdão. O eleitor quer respirar sem sentir o gosto da raiva. Quer sair do tribunal permanente em que o país se transformou desde 2016. Essa fadiga moral é um dos elementos mais importantes para compreender o comportamento eleitoral de 2026.

As manifestações de rua contra a Anistia e a PEC da Blindagem foram avaliadas de modo ambíguo.

Muitos reconheceram nelas uma defesa legítima da democracia, mas uma parcela expressiva disse “não saber” ou “não se importar”. Essa indiferença é o novo sintoma político brasileiro. A rua, outrora o território da esperança, converteu-se em espaço de redundância. A democracia, por sua vez, continua sendo valorizada, mas perdeu o brilho heroico que tinha no auge da resistência ao autoritarismo. Ela existe, mas não emociona. É o cotidiano sem poesia.

O discurso de Lula na ONU foi considerado “bom” por ampla maioria dos que ouviram falar dele, mesmo entre eleitores que não o ouviram de fato. Esse dado é quase literário em sua ironia: o prestígio do discurso não depende de seu conteúdo, mas da aura do orador.

Lula continua a encarnar o arquétipo do líder que fala pelo Brasil profundo, o homem que transforma um palanque em altar, que fala de igualdade com sotaque de sertão e que carrega, em sua própria biografia, a promessa de ascensão possível. Quando o povo diz que “foi um bom discurso”, o que ele diz é: “foi um bom símbolo”.

Na parte econômica, a pesquisa revela algo essencial para a leitura política do futuro: o apoio maciço à reforma do Imposto de Renda, que isenta quem ganha até cinco mil reais e eleva a cobrança sobre os super ricos. Trata-se de um consenso raro e significativo. A ideia de justiça fiscal tornou-se valor moral, unindo lulistas, independentes e até conservadores pragmáticos.

O país parece ter internalizado a noção de que desigualdade não é apenas um problema econômico, mas uma ofensa ética. É um dado que dialoga com a tradição cristã da caridade e com o ideal socialista da redistribuição. A Quaest revela, aqui, o nascimento de um consenso ético que pode redesenhar o campo eleitoral.

O sentimento de direção errada do país, porém, continua majoritário. Essa percepção não é simples pessimismo político, é uma forma de diagnóstico existencial. O brasileiro não rejeita o governo, rejeita o enredo. Não desconfia da democracia, mas da narrativa repetida que promete transformação e entrega rotina. O problema não é o Estado, é o esvaziamento simbólico da esperança. A sociedade parece desejar um novo começo, não de governo, mas de significado. Lula ainda é o guardião da esperança possível, mas o cansaço coletivo exige algo que transcenda a figura do líder. É a busca por uma nova história nacional.

Esse sentimento se reflete na escala sociológica das respostas: o lulismo mantém-se forte entre as mulheres, os pobres, os negros, os nordestinos, e entre os que vivem do trabalho precário; enquanto o bolsonarismo resiste entre os homens brancos de renda alta, os evangélicos e os empresários urbanos. Mas há uma novidade: um crescimento lento de uma zona cinzenta, de eleitores que não se definem, que dizem “não tenho posicionamento político”.

Esse grupo, superior a um terço da população, é o grande eleitor invisível de 2026. Ele não se move por ideologia, mas por afeto. Não se guia por partidos, mas por humores. Não responde a slogans, mas a atmosferas. Nessa nebulosa emocional será decidido o futuro do país.

É nesse ponto que a polarização aparece com nova feição. A Quaest mostra que a sociedade brasileira já não vive o mesmo confronto binário de 2022, mas ainda habita o eco psicológico desse embate. A polarização não é mais guerra aberta, é uma ferida cicatrizada por fora e latejante por dentro.

O lulismo e o bolsonarismo, com fôlego para resistir, até quando?

O lulista e o bolsonarista continuam a habitar mundos distintos de percepção e verdade, mas agora com menos ódio e mais cansaço. O Brasil vive uma espécie de polarização residual, onde os campos políticos já não se enfrentam apenas com palavras, mas com silêncios. Há dois países ainda, mas ambos sonham com o mesmo descanso.

A pesquisa mostra que o antagonismo sobrevive em forma de reflexo: quem aprova Lula o faz por empatia; quem o rejeita, por memória. Nenhum dos lados parece querer outra batalha. O que antes era paixão ideológica virou, lentamente, exaustão cívica. E essa exaustão, paradoxalmente, é o que mantém a frágil paz.

Do ponto de vista eleitoral, a pesquisa Quaest abre uma janela sobre o tabuleiro de 2026. O PT mantém a dianteira simbólica, sustentado pela imagem de Lula e pela rede de prefeitos e governadores aliados, mas enfrenta o desafio da sucessão. Nenhum nome do campo governista, até o momento, reproduz o magnetismo do presidente.

Geraldo Alckmin e Fernando Haddad

Aparecem como figuras de confiança, mas não de paixão. O eleitor quer segurança, mas também quer emoção. O lulismo sem Lula é como um corpo sem respiração. Por isso, o desafio do PT é mais estético do que estratégico: precisa reinventar o encanto.

Eduardo Paes

O PSD, por sua vez, emerge como o partido da transição emocional. Eduardo Paes, em ascensão nacional, encarna a possibilidade de uma liderança que fala a linguagem da conciliação sem perder a verve popular. Sua trajetória, marcada pela gestão eficiente e pelo olhar pragmático, tem se tornado exemplo de política que combina racionalidade e afeto. Paes é o político que compreende o Brasil urbano, mas também o Brasil cansado de ideologias. Representa uma espécie de síntese entre o técnico e o humano, entre o gestor e o contador de histórias. O PSD é o partido que mais cresce em prefeituras, consolidando-se como força de centro e abrigo de políticos que rejeitam tanto a ortodoxia ideológica do PT quanto o radicalismo moral do bolsonarismo.

Se Lula simboliza o afeto fundador e Bolsonaro o ressentimento apocalíptico, Eduardo Paes se coloca como o mediador entre os extremos, a voz que pode transformar a fadiga nacional em serenidade política. A Quaest ajuda a compreender essa ascensão: o eleitor não quer ruptura, quer sossego; e Paes traduz esse desejo com uma naturalidade que poucos possuem.

Partido Liberal (PL), herdeiro do bolsonarismo

Já o Partido Liberal (PL), herdeiro do bolsonarismo, conserva o peso eleitoral, mas perde densidade simbólica. Sem Bolsonaro em campanha, o partido parece incapaz de traduzir a energia do ressentimento em narrativa de futuro. A extrema-direita brasileira vive o dilema de sua própria vocação destrutiva: foi eficaz contra o sistema, mas é inábil para propor um país. O eleitorado que votou com raiva agora quer sossego, e esse desejo de sossego é mortal para a retórica da guerra. A Quaest mostra que o bolsonarismo se tornou uma religião sem milagre, uma saudade sem esperança.

O União Brasil, fragmentado, tenta encontrar uma identidade entre o liberalismo econômico e o conservadorismo de costumes. Oscila entre o desejo de participar do governo e o medo de parecer submisso. É o retrato exato da crise da elite brasileira: quer o poder, mas teme o povo. Essa hesitação estrutural reflete a perda de centralidade da classe média ilustrada, que já não dita o tom moral da política, apenas reage a ele. O centro, no Brasil de 2025, é mais uma sensação do que uma posição.

A eleição de 2026, vista a partir dos dados da Quaest, desenha-se como uma disputa menos ideológica e mais emocional. De um lado, o campo do afeto protetor de Lula e seus herdeiros; do outro, o campo da indignação esvaziada, que tenta sobreviver à própria fadiga. No meio, uma vasta planície de eleitores órfãos, em busca de serenidade. Será uma eleição travada não entre ideias, mas entre sensibilidades. Entre quem promete pacificar e quem ainda grita. Entre quem simboliza cuidado e quem encarna desordem. A vitória dependerá menos de programas e mais da capacidade de oferecer sentido a uma população em busca de repouso moral.

O Brasil, como mostra a pesquisa, é um país de contradições emocionais. Aprova Lula, mas desconfia do futuro. Deseja justiça, mas teme a confusão. Quer o Estado forte, mas teme o político profissional. É uma sociedade que ama e desama com a mesma intensidade, que espera sem saber o que espera. E é nesse abismo entre o sentimento e a razão que se move o destino nacional.

A Genial/Quaest Nacional de outubro de 2025 revela, assim, uma verdade profunda: o Brasil vive o fim de uma era sem saber qual começa. Lula ainda é o centro moral da República, mas o tempo já anuncia a necessidade de novos nomes, novas vozes, novas linguagens. A política brasileira está diante do desafio de traduzir em gesto e palavra o que o povo sente em silêncio. O futuro não pertence ao que grita, mas ao que compreende. O país não quer mais heróis, quer tranquilidade. Não quer messias, quer normalidade. Não quer promessas, quer cuidado.

A democracia brasileira, fatigada e viva, segue caminhando. Entre a lembrança e o desejo, entre o passado que ainda governa e o futuro que ainda não nasceu, o Brasil se olha no espelho da pesquisa e, talvez sem perceber, vê ali seu próprio rosto: cansado, mas ainda bonito; ferido, mas ainda esperançoso; dividido, mas ainda de pé

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