A escola que forma alunos para o mercado das Artes

Por Silvia Pereira

A Escola de Belas Artes da UFRJ, é referência no Brasil e no mundo por sua excelência acadêmica na formação artística de seus estudantes.

No apagar das luzes do ano que se encerrou, o Brasil continua repercutindo a comemoração pelo centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, evento esse que deu voz a um dos mais simbólicos na área, que foi o Movimento Modernista, tornando-se assim, um marco na história
da arte brasileira. Esse fato estabeleceu uma espécie de rompimento com o conservadorismo da época, passando a ter relevância a partir de então, uma defesa por uma ótica artística de cunho mais independente, plural e inovador Como legado do “Movimento de 22”, como ficou conhecido, seguido por um período de efervescência cultural, em todos os campos da arte no país, demorou um pouco para o surgimento de uma demonstração mais concreta dessa nova expressão artística.
E essa manifestação palpável veio com a criação do Museu Casa de Portinari, que hoje pertence à Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Estado de São Paulo, e sua iniciativa foi aderida pelos museus geridos pela ACAM Portinari (Associação Cultural de Apoio
ao Museu Casa de Portinari), para que todos tenham acesso gratuito às atividades culturais do equipamento, bem como ao espaço expositivo pelo site do museu. E o nosso personagem central aqui no destaque, será ninguém menos do que a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, a EBA da UFRJ, e que não à toa, coincidência ou não, foi o berço de excelência do extraordinário artista plástico de reconhecimento mundial Cândido Portinari,
entre tantos outros, que lá figuram nos álbuns da instituição acadêmica.
Surpreender ainda mais, portanto, é encontrar alguém na figura apaixonada por arte do professor e artista plástico Ricardo Pereira.

Ele que é Coordenador desse centro que sintetiza toda a produção de ensino sobre a técnica do belo em todas as suas formas, situado no coração do campus da Ilha do Fundão no Rio de Janeiro, e que em sua cronologia se confunde com a história do ensino brasileiro.
E é o professor Ricardo Pereira que vai nos guiar nessa viagem que remonta ao período colonial brasileiro, onde tudo começou.
Vamos acompanhar por aqui, o que diz o professor Ricardo Pereira sobre o tema:

Professor Ricardo Pereira e seus alunos da EBA – Divulgação
Aula prática – Divulgação

8K– Quando, e com qual finalidade foi criado o Curso de Pintura da EBA na UFRJ?

RP – Bom, o Curso de Pintura surgiu há 206 anos, quando D. João VI fundou por Decreto, a Real
Escola de Artes Ciências e Ofícios, tendo como primeiros professores os artistas da Missão
Francesa, que vieram cumprir esse Decreto, que visava modificar o “status civilizatório do
Brasil”, para receber a Corte Portuguesa na condição de Metrópole, que até então era uma
colônia de Portugal.

No Império foi chamada de Academia Imperial de Belas Artes (AIBA), e após a Proclamação
da República, Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), que foi incorporada à primeira
universidade no Brasil.Já no período da ditadura militar, foi criada a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e a ENBA tornou-se a Escola de Belas Artes (EBA). Sua segunda sede foi na Avenida Rio Branco, no prédio do Museu Nacional de Belas Artes no centro do Rio, mas por imposição do
governo militar, foi transferida para a Cidade Universitária, Ilha do Fundão, onde permanece até hoje. Mesmo com atropelos de percursos, o Curso de Pintura manteve-se fiel à sua especificidade, que é o de ensinar a linguagem da pintura, em sua essência Seu funcionamento é de horário integral, composto por 8 períodos de 4 anos, e mantém um corpo docente de 9 professores efetivos e 1 substituto, a maioria, com Doutorado. As aulas
principais acontecem no grande Ateliê Portinari, apelidado carinhosamente pelos estudantes, como “Pamplonão.”

8K – Em linhas gerais, qual o breve balanço que o senhor faz sobre a trajetória do Curso de Pintura da EBA, desde seu início até os dias de hoje?

RP – O balanço que faço é inteiramente positivo, admitindo crises surgidas sim, mas superadas ao longo de sua existência. Posso citar duas crises mais emblemáticas: a mudança forçada para um local inadequado para receber a EBA, e o trágico incêndio em 2016, que destruiu parte do
acervo da memória da instituição.
Além disso, lidar e nos adaptarmos com todas as mudanças de paradigmas na arte mundial, ocorridas durante o século passado, foi um desafio, mas permanecemos firmes em nossa finalidade inicial, nos atualizando em nossas práticas de ensino.
Por conta disso, somos os únicos no Brasil, que formamos bacharéis em pintura, ou seja, produzimos profissionais na arte da pintura para o mercado.
Ao contrário de outras escolas, não fazemos curso generalizante de Artes Visuais, mas focamos como fundamento central, a expressiva linguagem da pintura, que é aquela que acompanha a humanidade desde seus primórdios.
Transmitimos o conhecimento acadêmico, através de fontes inspiradoras dos maiores mestres da nossa civilização, tais como Leonardo da Vinci, Rafael Sânzio, Michelangelo, Caravaggio, Velázquez, Rembrandt, Monet, Van Gogh, Picasso e o nosso ilustre brasileiro e ex-aluno
Portinari, entre muitos outros.

8K – Quais os destacados nomes da pintura ocidental, que tiveram assento como
alunos na EBA?

RP – A EBA, com seu Curso de Pintura, gerou muitas crias lançadas como grandes artistas no meio cultural do Brasil e do mundo. Cândido Portinari, é sem dúvida, um dos mais célebres e conhecidos artistas plásticos, até os dias atuais, e que passou pelos bancos da EBA/UFRJ.
No entanto, há outros ex-alunos, de igual relevância, como Pedro Américo, Vitor Meirelles, Almeida Júnior, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernadelli, Eliseu Visconti, só para citar alguns.
O fato de a EBA abrigar em seio criativo artistas tão geniais, atraiu os olhares do mundo inteiro, tornando a nossa Escola um dos maiores celeiros de referência para pesquisadores de universidades nacionais e estrangeiras, no que se refere à temas como mudanças e continuidade
nas artes no Brasil, entre os séculos XIX e XX.

8K – O curso tem como objetivo fundamental preparar o aluno para o mercado de trabalho, em quais ramificações e atividades?

RP – O aluno sai pronto para atuar no mercado de arte, capaz de realizar exposições individuais e coletivas em galerias de arte, centros culturais, museus e qualquer espaço adequado a que pinturas sejam expostas e comercializadas. Mas, além disso, sai com capacidade para exercer o papel de um criador de imagens por meio de variadas técnicas e com base em inúmeros conceitos. Estará apto a realizar pinturas de murais, criar cenários, ilustrar livros, jornais e revistas, pintura digital para os mais diversos fins etc.
Por outro lado, também poderá atuar na área curatorial, como docente no ensino superior, assim como em ateliês particulares. Tudo dependerá do interesse e de quanto o aluno se aplicou em seu aprendizado.

8K – Até que ponto poderíamos afirmar que o investimento da UFRJ se destina mais para as áreas de Ciências Exatas em detrimento das Ciências Humanas?

RP – Não sou nenhum especialista na área administrativo financeira, mas posso afirmar que sendo a UFRJ um corpo, a instituição busca cuidar de todos os seus órgãos com igual atenção. Se não o consegue plenamente, ocorre principalmente porque em muitos momentos da conjuntura nacional, os investimentos federais não só deixaram de existir, como até as verbas destinadas à manutenção passaram a ser contingenciadas.

8K – Como fica a arte que nós conhecemos hoje e a chegada do domínio da força transformadora da tecnologia? Nesse cenário há como prever o futuro no campo das artes?

RP- A arte por princípio, é uma atividade dinâmica, e em constante transformação. O artista, portanto, terá que tirar proveito das novas possibilidades que lhe surgirem, por sua própria inventividade, ou pelas novidades trazidas por outros setores.
Um exemplo clássico disso, é quando, no século XVI, foi desenvolvida a terebintina, a partir da resina extraída das árvores coníferas.
Este novo solvente possibilitou ao artista dissolver facilmente o óleo de linhaça, permitindo a pintura em telas de tecido de linho esticadas em chassis de madeira, mais leves do que os tradicionais painéis de madeira utilizados nos retábulos das igrejas, pintados com têmperas, em outros tempos. Na atualidade, com a forte presença da arte digital, muitos iniciantes têm procurado mais este meio do que outros mais tradicionais da pintura, o que é um erro. Isso porque, o conhecimento dos meios tecnológicos pressupõe uma base analógica, para o desenvolvimento de resultados. Na pintura, ou em qualquer outro campo artístico, a inovação precisa caminhar junto com o conhecimento anterior de um conceito, pois não se constrói, seja o
que for, a partir do nada. O conhecimento tradicional fornecerá um eixo para voos criativos mais elevados. Por analogia, nenhum meio de comunicação, decreta a morte de outro meio. Pelo contrário, soma-se a este. Foi assim com o rádio x televisão, jornal impresso x sites e Blogs de notícias, TV x Streaming, e por aí vai. A palavra de ordem é “adaptação”, avançar se valendo de uma essência como ponto de partida. Assim também é a Arte.

8K – O senhor considera que as universidades brasileiras, e em especial a UFRJ, estejam preparadas e modernizadas o suficiente para enfrentar os desafios da revolução tecnológica, ou sua base está obsoleta?

RP – Diversas pesquisas qualitativas apontam a UFRJ como uma das melhores na atualidade do ranking internacional. Isso comprova, que apesar de todo o sucateamento que nos tem sido imposto, temos resistido e mantido a qualidade que se espera de uma Universidade Pública que preza por manter o alto nível de seu Ensino, Pesquisa e Extensão. Além disso, a UFRJ tem seus equipamentos e patrimônios prediais, a maioria de um
valor histórico incontestável, embora abandonados à própria sorte, por falta de manutenção. E o mais importante é a sua base humana, ela que é composta principalmente pelas pessoas que nela formam seus corpos docente, discente e técnico administrativo. É a partir desse conceito básico que se dá a revolução tecnológica também aqui dentro da UFRJ, pois qualquer revolução que se possa pensar terá que ter como premissa fundamental é o ser humano, com o social e o cultural, atuando fortemente em nosso meio. Concluo dizendo que tenho orgulho imenso em ser funcionário público, exercendo o magistério superior no Curso de Pintura, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Foi dentro desta grande Casa do Conhecimento que me graduei, fiz Mestrado, Doutorado e sigo trabalhando, tanto como professor quanto como Coordenador, sempre visando o melhor para nossos estudantes, finalidade maior dos meus esforços e dos meus colegas.

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