União dos povos

Por: Alberto Gallo
Pesquisador da UFRJ
Publicado em: 21 de novembro de 2025 às 12:46
Celebrar o Dia da Consciência Negra é entender que somos todos iguais e merecedores de respeito e de dignidade. Assim deve ser o Brasil, sem divisões e lutas que separem as pessoas em guetos.
No Brasil, o dia 20 de novembro é destinado à chamada “Consciência Negra”. É uma data que desperta debates, celebrações, tensões — e, sobretudo, reflexões. Mas, antes de qualquer discussão, há um ponto essencial: falar de paz, de integração e de humanidade. Pessoalmente, não me agrada quando datas são capturadas por discursos que reforçam divisões, rivalidades, narrativas de luta de classes ou conflitos entre grupos, representados por um punho fechado. Isso rasga o tecido social, que já é frágil por natureza. A história mostra — e certos movimentos políticos confirmam — que criar ódio, ressentimento e luta de classes – é uma estratégia eficiente para dividir e, assim, dominar.
Prefiro caminhar por outra trilha: a da integração. A trilha de olhar para as diferenças como riqueza, não como trincheiras. A trilha de reconhecer a pluralidade do Brasil — povos, etnias, culturas, histórias — sem transformar essa diversidade em arma, mas sim em ponte. Somos filhos de uma mesma humanidade. Somos irmãos. Temos todos o mesmo direito fundamental: viver com dignidade, paz e segurança.
Mas reconhecer isso não significa apagar as dores do passado. Ao contrário: significa honrar a história de nossos irmãos que, vindos de outras terras, viveram séculos de sofrimento no Brasil. Significa entender que a escravidão existiu, que marcou profundamente nossa formação e que deixou feridas abertas. Feridas que só se curam com verdade, respeito e memória — não com manipulação ideológica.
Interessante o fato histórico de que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, encerrou oficialmente a escravidão no Brasil — um ato político que enfrentou a elite da época e custou à monarquia sua própria continuidade. A mesma elite do atraso continua no poder, com diferentes partidos e cores. Uma elite que usa inclusive o discurso de proteger os pobres para continuar dominando. Haja visto que as famílias poderosas dos governantes abraçam o atual governo, mas replicam a mesma exploração de centenas de anos. Para alguns grupos ideológicos, não interessa reconhecer isso, porque não convém à narrativa da “luta eterna”. Por isso recriam heróis à força, reinventam personagens, omitem fatos incômodos. Zumbi, por exemplo, é frequentemente apresentado como símbolo absoluto da liberdade, embora registros históricos indiquem que também havia escravidão dentro do Quilombo de Palmares. A história, quando lida honestamente, é sempre mais complexa do que a mitologia política.
Mas a data existe — e pode ser bela. Pode ser um momento para celebrar a contribuição afro-brasileira, sua cultura, sua música, sua força espiritual e sua presença tão profunda em nossa identidade. Assim como celebramos, em outras datas igualmente importantes: os povos indígenas (19 de abril), reconhecendo sua sabedoria e resistência. Assim como celebramos a imigração japonesa (18 de junho), marcando a contribuição oriental. Assim como podemos, no dia 5 de abril, recordar o Dia Internacional da Consciência Humana, instituído pela ONU, que aponta para aquilo que realmente importa: paz, inclusão, tolerância, e a construção de uma cultura de entendimento universal.
Celebrar a diversidade não é instaurar guerra; é afirmar a nossa unidade. Somos, no fundo, um só povo, marcado por tantas origens, mas movido por uma mesma esperança. E, sendo um país cristão em sua alma cultural, carregamos algo profundo: somos irmãos em Cristo. Celebramos uma Mãe Comum — Nossa Senhora de Aparecida — a imagem que foi encontrada nas águas do Paraíba do Sul já escurecida, como que a sinalizar: não importa a cor; importa o coração que acolhe.
Somos todos, de certa forma, minorias. No Brasil, não existe uma etnia que domine numericamente: os brancos são cerca de 43%, os pardos e mulatos também 43%, os pretos aproximadamente 12%, enquanto indígenas representam menos de 1% e os orientais pouco mais de 1%. Ou seja, não há “maioria” isolada — somos um mosaico humano equilibrado, diverso e complementar. Esses números, aproximados do último censo do IBGE, mostram que nossa identidade nacional é essencialmente plural.
Por isso, neste 20 de novembro — e em todos os outros dias — vale lembrar:
A paz não nasce da luta de classes, mas da fraternidade.
A dignidade não nasce do confronto, mas do reconhecimento mútuo.
A integração não é utopia: é o único caminho possível.
Somos um só povo, chamado a construir juntos um Brasil de harmonia, não de ódio; de memória, não de manipulação; de humanidade, não de divisão. A paz é sempre maior. E é sempre o melhor caminho.
